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Os dias passaram. Os dias passavam, mas o mesmo não acontecia à dor. Nem mesmo as aulas por recuperar, Parker, os meus amigos, nada disso me fazia esquecer de que a outra parte de mim estava deitada numa cama de hospital estática, imóvel, inanimada… Há duas semanas que ela estava assim. Estávamos a meio de Novembro. Podia esconder-me durante mais um mês. Mas, e depois? Depois teria de voltar. Teria de voltar nas férias de Natal. O Natal. A minha altura preferida do ano. Porém, este Natal, passaríamos os sete a chorar à volta da cama de Mariana.
Era a semana dos exames de dança. Os de representação seriam na semana seguinte e os de canto na outra.
Era segunda-feira, dia 18 de Novembro. Abri os olhos assim que o despertador soou, tal como Parker.
-Bom dia – disse ele. Bocejei e depois beijei-o ao de leve. Espreguicei-me e olhei para o relógio de Parker, que estava pousado na mesinha-de-cabeceira. Eram oito
- MERDA! Merda! Merda! Merda! – Abanei Parker freneticamente. – Parker! Acorda! Estamos atrasados.
- Ãnh? – Perguntou num tom preguiçoso.
- São oito da manhã! Acorda!
Parker pegou no relógio, abriu um olho e fitou-o.
- Não são nada, Ly. São sete da manhã. O meu relógio está sempre uma hora adiantado.
- Ia tendo um ataque cardíaco. Porque raio é que tens o relógio uma hora adiantado?
- Porque me dá gozo olhar para o relógio e ver que ainda tenho mais uma hora. Além de que, de manhã, dá-me a sensação de que dormi mais uma hora do que aquilo que realmente dormi. – Senti a minha cara exangue, devido ao susto que tivera.
- Estás bem, não estás? Não vais desmaiar ou assim? São só horas.
- Apetece-me bater-te.
- A mim apetece-me beijar-te e acho que estou muito mais relutante a fazer aquilo que eu quero. – Dito isso, puxou contra si e beijou-me, tal como queria. E, por muito que me apetecesse dar-lhe um murro, não o fiz.
- Então agora que tu já fizeste aquilo que querias agora é a minha vez, certo?
- Isso querias tu. Mas não queres chegar atrasada, pois não? – Revirei os olhos e levantei-me da cama.
Preparei-me e fui para P.A..
O primeiro exame era o de Ballet. E sinceramente, não tinha tido tempo nenhum para treinar. Os nervos começaram a penetrar no meu corpo, como facas aguçadas. Respirei fundo dez vezes, quando ouvi a professora de ballet chamar o meu nome.
Dirigi-me ao centro do estúdio e comecei.
Estava tudo a correr muito bem. Excelentemente bem. Sentia-me livre. Sentia-me bem. Há muito tempo que não fazia nada de produtivo. Apesar dos nervos, da falta de treino e de tempo, passei com boa nota.
Isto tudo deixou-me muito feliz. Tinha recuperado parte da minha fé no mundo e isso agradava-me bastante.
Porém, o fantasma do coma da minha irmã ainda me assombrava. O que é que iria fazer caso ela não acordasse? Continuaria? Ou deixar-me-ia cair no abismo da minha mente? Teria força para continuar? As respostas para todas estas perguntas, apesarem de estar dentro de mim, estavam fechadas a sete chaves na minha mente. Por isso, todas e quaisquer projecções para aquilo que seria a minha vida, eram pura especulação.
Tinha de ligar à minha família. Tinha. Eu sabia disso. Teria de os enfrentar. Mas porque é que eles também não me ligavam.
Cheguei a casa às duas. Atirei as minhas coisas para o chão e o meu corpo para a cama. Peguei non meu telemóvel. Comecei a marcar o número. As lágrimas começaram a escorrer e não tive coragem para pressionar a pequena tecla verde.
Ouvi a porta do apartamento abrir-se e Jessica entrou no quarto. Olhou para mim, sentou-se na beira da cama e abraçou-me
- Lillah – disse olhando para o telefone, - vais ter de lhes ligar um dia.
- Eu sei, mas não hoje – murmurei num suspiro.
- Quando?
- Não sei! Mas hoje não.
- Porque é que hoje não é um dia tão bom como outro qualquer?
- Porque não o quero estragar.
- Ly. Vais ter de enfrentar isto! Quer queiras, quer não.
- Porquê? Porque é que se estão a meter nisto, se não vos diz respeito? Se não vos afecta.
- Achas que não nos afecta? Achas que a tua felicidade não importa para nós? Somos teus amigos Dalillah. Queremos o teu bem.
- Sabes que eu não vou ficar mais feliz quando lhes ligar, certo?
- Se houver más notícias, sim, vais ficar desolada. Mas vai passar. E nós vamos estar aqui para te ajudar e não vais ter de estar sempre a esconder essa agonia.
- Deixa me estar em paz. Isto aqui não afecta mais ninguém se não eu. Por isso, deixa-me estar.
- Achas mesmo que não afecta mais ninguém? Olha para Parker. Ele está preocupado contigo. Ele vê que estás a sofrer. Esqueces-te que é ele que te acorda quando estás a gritar, à noite. E sim ele tenta estar feliz para ti. Tenta sorrir e fazer-te esquecer a dor. Mas já pensaste, que sempre que ele te tira parte dessa tua dor, ele é que a recebe. Por te ver assim, pelo simples facto de que sempre que olha para os teus olhos, a única coisa que vê é um vazio. Um vazio que ele não consegue preencher. Liga-lhes Lillah, para aliviar a tua dor e a dele. – Dito isto abandonou o quarto, deixando-me sozinha com o telefone.
Pressionei o pequeno botão e, após dar sinal três vezes, ouvi a voz de Francisca, do outro lado da linha.
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